quinta-feira, 30 de maio de 2013

O Escândalo do Mensalão IV - Nova entrevista de Roberto Jefferson coloca o PT no centro do escândalo e a crise chega no colo de José Dirceu (12 a 15.06.2005)



No dia 12/06, o título de capa da Folha de S. Paulo anuncia: “Dinheiro do ‘mensalão’ vinha de estatais e empresas, diz Jefferson”. Em nova entrevista ao jornal, a segunda, na noite de sexta-feira, o deputado Roberto Jefferson revelou mais detalhes sobre o funcionamento do esquema do mensalão. Ele já havia falado das mesadas de R$ 30 mil a deputados da base aliada, e agora diz que o dinheiro vinha de estatais e de empresas privadas. 

Fala em “malas” que eram distribuídas em ações comandadas pelo tesoureiro do PT Delúbio Soares que, por sua vez, contava com a ajuda de “operadores”, como o publicitário Marcos Valério e José Janene (PP-PR). Na entrevista, ele aproveita para negar que tenha algo que comprometa diretamente o presidente Lula, mas não isenta o PT de nada, principalmente nas figuras de José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e Silvio Pereira. 

Conhecido por frases impactantes, o deputado, sentindo-se cada vez mais ameaçado, e sozinho, daí talvez a razão principal desta sua segunda entrevista, diz: “se fizerem algo comigo, cai a República” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1206200508.htm).

Em nenhum momento Jefferson apresenta provas, mas seu relato é muito forte, contundente e direto, faz acusações, dá novos nomes, como o de Marcos Valério, e explica o funcionamento do esquema. Talvez tenha sido esta sua veemência que levou o jornal, através de editoriais, comentaristas e debatedores, a tecer fortes críticas ao governo. Foram dois os editorias, somente neste dia, tratando do mesmo assunto. No primeiro editorial o jornal comenta a disposição do presidente Lula com relação à reforma política.
Ao reagir às denúncias sobre casos de corrupção em seu governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recolocou na agenda nacional a reforma política, que chamou de “palavra mágica”. Não há dúvida de que o sistema político-partidário brasileiro precisa de correções. O Planalto, porém, parece inclinado a ver no debate da reforma uma ocasião para desviar as atenções, transferindo responsabilidades do governo e do PT para as deficiências institucionais do país. A verdadeira “mágica” que se pretende encenar é transformar culpados em vítimas. O ilusionismo consiste em criar a idéia de que falhas do arcabouço político devem responder por decisões de indivíduos cientes do que estavam fazendo (...) A sociedade brasileira elegeu o candidato Luiz Inácio Lula da Silva com a esperança de que o PT demonstrasse no poder o mesmo grau de exigência moral e republicana que pregava na oposição. Se esse compromisso deixou de ser cumprido, a culpa não é apenas do sistema político[1].
Neste editorial o jornal continua dando o crédito necessário ao presidente e seu diagnóstico sobre a falibilidade das instituições políticas no Brasil, mas o que era uma “suspeita” (a dissimulação), para o jornal, se transforma em fato, ou seja, acusa o governo de, com o debate da reforma política, tentar desviar as atenções e transferir as responsabilidades para essa deficiência institucional brasileira. Pior, o jornal é ainda mais duro quando cobra do presidente e do PT a mesma “exigência moral e republicana” dos tempos em que eram oposição. Parece estar acabando a tolerância com o governo, e essa questão vai ser aprofundada em outro editorial, no mesmo dia.
A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai se revelando um dos maiores estelionatos eleitorais da história democrática do país. Todas as bandeiras que um dia caracterizaram o Partido dos Trabalhadores foram conspurcadas. Até mesmo o que se afigurava como o último baluarte petista, uma relação diferenciada com a ética e a coisa pública (...) Era presumível que uma legenda forjada em duas décadas de oposição – e que reunia em seus quadros importantes nomes das mais diversas áreas – tivesse projetos sólidos para a educação, a saúde e a segurança (…) A partir de um dado momento, só o que importava passou a ser a “governabilidade” e a reeleição de Lula. Foi nesse contexto que veio o golpe devastador contra a imagem do partido, e justamente no campo da ética, a faceta mais característica do petismo (...) Galgado ao comando do país, o partido enredou-se na trama do fisiologismo e da corrupção. Suas virtudes transmutaram-se em vícios. O despreparo, a ambição e o oportunismo derrotaram a esperança[2].
Segundo o jornal, o PT, ao chegar ao governo, abandonou de forma tão intensa suas bandeiras que se torna avalista de uma política econômica mais ainda subordinada à lógica financista que na época do PSDB. E isso para mostrar que o abandono da ética foi ainda mais fácil para o partido. De fato, o jornal se posiciona duramente e ataca o partido naquilo que é seu coração: sua história de lutas e apego à ética republicana. O editorial parece mais um obituário da postura ética do PT.

A reação governista é, também, muito forte. José Dirceu e José Genoíno, principalmente, negam qualquer possibilidade de verdade no discurso de Jefferson. De qualquer forma, novas avaliações da crise, por parte do governo, começam a surgir. Teria sido um equívoco, para o senador Aloizio Mercadante, por exemplo, a permanência de Delúbio Soares e mais ainda a sua entrevista onde foi “blindado” pela direção do PT. Na realidade, o que podemos afirmar é que se a estratégia se revelou equivocada foi pelo surgimento de fatos novos na entrevista de Roberto Jefferson. O impacto é tão forte que, mesmo entre governistas da base aliada é praticamente certo que a CPI não vai limitar-se a investigar o fato determinado (Correios).

No dia seguinte, 13/06, a Folha de S. Paulo trás como título de capa: “Governo tenta desqualificar acusações”. Para o governo, Roberto Jefferson não tem provas, é uma pessoa que está sendo acusada de corrupção e está atacando a todos. Faltam-lhe fatos e o que teria feito seria uma peça de ficção, acima de tudo irresponsável. Oficialmente, em nota divulgada na noite anterior, o PT diz que vai processar o deputado pelas falsas acusações. Enquanto isso, o Ministro José Dirceu dá declarações de que está “tranquilo”. No mesmo dia, em seu “Café com o Presidente”, o presidente faz a seguinte declaração[3]:
A política é feita de coisas boas e de coisas ruins. É importante saber que a questão da corrupção no Brasil não é uma coisa nova. E quanto mais se combate a corrupção, mais ela aparece na imprensa. E nós estamos combatendo a corrupção como jamais foi combatida neste país (…) Ora, quando a denúncia envolve partidos e envolve o Congresso Nacional, o Congresso tem mecanismos para fazer a investigação. Eu conversei com o presidente Severino, conversei com o presidente Renan. É preciso apurar tudo. Agora, é preciso que a gente tome cuidado para não deixar que o Congresso fique só cuidando disso e não aprove as coisas que têm que ser aprovadas, de interesse do Brasil. 
Neste discurso o presidente parece esquecer um pouco da história para se concentrar mais na conjuntura presente, embora continue mostrando certa “naturalização” (a corrupção não é coisa nova; a política é feita de coisas boas e más) dos fatos. Ele passa a trabalhar sobre as denúncias e sua forte visibilidade na imprensa e diz que isto só acontece porque o governo está agindo.

Mas, em termos de estratégia de construção simbólica, aqui parece ocorrer um recurso à “narrativização”, ou seja, o presidente constrói um raciocínio que leva a entender-se que se há denúncias na imprensa é porque há combate à corrupção. E, em seguida, transfere para o Congresso a total responsabilidade pela investigação de seus membros. É um reforço da tentativa de descolamento do presidente em relação à crise. Mas, há algo aí que também reforça a suspeita de “dissimulação”: o presidente lembra que é preciso que o Congresso apure, mas não se perca a ponto de deixar de lado as coisas que “interessam” ao Brasil.

No dia seguinte, em novo editorial, o jornal insiste na apuração do caso[4], motivado, principalmente, por essas declarações do Presidente.
Esta Folha, em mais de uma oportunidade, já destacou o que todos sabem – a corrupção é um problema que aflige o país de longa data (...) Nada disso, porém, exime o governo de fornecer explicações sobre as denúncias envolvendo os Correios, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) e o suposto “mensalão”. O presidente Lula … reafirmou seu compromisso de investigar as denúncias. São palavras auspiciosas, mas que contrastam com as primeiras reações à nova entrevista do presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson. Representantes do governo trataram de imediato de desqualificar o autor das denúncias, por ser suspeito de envolvimento no caso dos Correios e afirmar que não possui provas. Tratar-se-ia de um acusado querendo passar por vítima. Ora, o próprio deputado, já em sua primeira entrevista à jornalista Renata Lo Prete, na qual denunciou o esquema das “mesadas”, foi claro quanto aos sentimentos que o animavam. “Percebo que estão evacuando o quarteirão, e o PTB está ficando isolado para ser explodido”, disse ... No domingo, acrescentou às suas denúncias anteriores nomes de supostos operadores do “mensalão”, referiu-se à origem do dinheiro e afirmou que o ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o presidente do PT, José Genoino, participavam da distribuição de cargos. Reuniões com este fim teriam ocorrido numa sala situada no Palácio do Planalto ... Seus relatos parecem reunir material mais do que suficiente para justificar uma profunda investigação.
O editorial segue a linha que o jornal já vem assumindo, ou seja, a de expor as contradições entre o discurso do presidente e as ações concretas nesse caso específico, reforçando a tese de “dissimulação” já levantada pelo jornal.

Ainda neste dia a expectativa maior é pelo depoimento de Roberto Jefferson no Conselho de Ética da Câmara, em processo movido pelo presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, acusado anteriormente por Jefferson. Além disso, a CPI estará escolhendo presidente e relator. Interessante notar que, no dia, 14/06, o título de capa do jornal trás um dado novo: “Deputada relata oferta de dinheiro”.

Está ficando claro que a estratégia do jornal, como de todo jornalismo investigativo, é justamente a de, primeiro, não deixar o tema “esfriar” e, segundo, e para isso, “alimentá-lo” com novos fatos. Trata-se da deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) que teria sido assediada por aliados do governo (R$ 40 mil por mês e R$ 1 mi por ano de bônus) para trocar de sigla. Ela teria relatado o caso ao governador de Goiás, Marconi Perillo que, por sua vez, teria repassado ao presidente Lula, ainda em 2004. E ele confirmou toda a reportagem do jornal.

Mas, como não poderia deixar de ser, a repercussão é centrada no depoimento de Jefferson na Câmara. Um depoimento de mais de 6 horas de duração. Segundo o jornal, Jefferson teria confirmado, sob juramento, tudo o que havia dito à Folha. Ressaltou que Lula desconhecia o esquema de pagamento a deputados organizado por Delúbio, e centrou sua “carga verbal” contra José Dirceu, dizendo: “Dirceu, se voce não sair daí rápido, voce vai fazer réu um homem inocente, o presidente Lula”.

Esse “sai daí Zé”, foi de uma intensidade marcante no seu depoimento e justificou bem o fato do Congresso ter, praticamente, parado neste dia. Certamente foi um golpe duro para o governo e para o PT. Não se toca no assunto, entretanto, sobre uma possível saída de Dirceu, a não ser que seja para negá-la.

Algo muito interessante nesta fala de Jefferson foi quando se referiu à fábula do sapo e do escorpião para falar do PT e sua relação com aliados. Segundo ele, o PT (escorpião) fecha um acordo para atravessar o rio nas costas dos aliados (sapo), mas lança seu veneno e diz que não pode ir contra sua natureza, e ambos morrem afogados. Certamente Jefferson falou em tom de ameaça: se continuarem as picadas por parte do PT, todos morrerão. Aí está um bom tema para se discutir o presidencialismo de coalizão no governo Lula.

“Jefferson poupa Lula e culpa Dirceu” é o título da capa do dia 15/06. Não há como negar que o jornal está “rondando” Lula, ou seja, não desperdiçando oportunidade para mostrar que o nome do presidente está no centro dos acontecimentos e, por que não, das denúncias. Em editorial, o jornal reforça ainda mais a tendência denuncista[5].
Na defesa verbal que apresentou ontem ao Conselho de Ética da Câmara, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, reafirmou o conteúdo das entrevistas concedidas a esta Folha ... O deputado declarou que o “mensalão” era amplamente comentado na Câmara e insistiu que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, recebera informações acerca do esquema. Ao comentar a doação de dinheiro do PT a seu partido, o PTB, o depoente insinuou que o ministro José Dirceu atribuíra o não-pagamento de uma parcela a dificuldades em trazer recursos do exterior. São denúncias que devem ser tomadas com cautela, mas que não podem de forma alguma ser descartadas, como gostariam alguns. 
Neste editorial percebe-se bem o quanto a estratégia de investigação da Folha de S. Paulo está centrada nas palavras de Roberto Jefferson e, segundo o próprio jornal, suas palavras são de uma intensidade de tal ordem que, no mínimo, precisam ser investigadas. É a postura de “não investigar” profundamente, pelo governo e pelo Congresso, que reforça o clima de “desconfiança” geral, inclusive sobre o presidente Lula.

É nesse momento, Jefferson praticamente inaugura os ataques à imprensa dizendo, em seu depoimento, que ela “investiga, julga e pune em uma semana”. Chegou a dizer que teria havido “dedo” do governo na matéria inaugural da revista Veja sobre a corrupção nos Correios, assim como qualificou as organizações Globo como veículos “oficiais”. Mas, no seu depoimento, é mesmo a questão do caixa dois levado a cabo pelo PT que ganha repercussão e vai marcar boa parte dos noticiários e da própria CPI durante um bom tempo. Disse, a esse respeito, por exemplo, que o partido teria repassado ao PTB cerca de R$ 4 mi, “com etiquetas do Banco Rural e do Banco do Brasil”.

Também começa a surgir no cenário da crise, a personagem Fernanda Somaggio, ex-secretária de Marcos Valério na SMP&B Comunicação. Ela teria dito à revista IstoÉ Dinheiro que Valério tinha contatos com Dirceu e Sílvio Pereira e que viu circular “malas de dinheiro”. Ela já havia sido entrevistada pela revista em setembro de 2004. Ela também falou bastante das ligações de Valério com o Banco Rural. Muitos caminhos já começavam a ser delineados para a investigação a ser realizada pela CPI dos Correios.

Não há dúvida que Jefferson ao colocar Dirceu no centro da discussão colocou ainda mais combustível nas investigações da imprensa. Até este momento, podemos dizer, com segurança, que é a partir destas denúncias de Jefferson que a imprensa vem exercendo sua função investigativa. Até o momento o governo está claramente na defensiva e, pior, tendo seu principal ministro, José Dirceu, agora como foco central das críticas. É a crise chegando ainda mais próxima do presidente Lula.

Em uma tentativa de síntese, podemos dizer que os principais passos, nesse momento, foram:

CONTRA-ALEGAÇÃO (governo)

Vendo a crise chegar ao PT, na figura de seu Tesoureiro, Delúbio, o governo opta por “blindá-lo” e parte para o ataque: Lula fala em “reforma política”. São as instituições que precisam ser corrigidas. Ao mesmo tempo, circulam no Congresso “ameaças” com o objetivo de limitar a investigação ao caso dos Correios. Palocci, por sua vez, mostra-se preocupado com o estado de ”tensão” que a crise política gera na economia.

NOVA ENTREVISTA

Em nova entrevista à Folha de S. Paulo, Roberto Jefferson fornece ainda mais detalhes sobre o funcionamento do esquema do mensalão, insistindo nas figuras-chave do PT e seu envolvimento nas ações.

Incremento da contra-alegação - O governo sente o impacto da entrevista, percebe que o PT foi, definitivamente, envolvido na crise, e surgem declarações de arrependimento pela “blindagem” de Delúbio. A estratégia governista e do PT é a de não ceder espaços ou entregar os seus aos opositores, mas isso parece estar motivando ainda mais Jefferson a fornecer detalhes e mais detalhes das operações. O governo ataca desqualificando Jefferson como “mentiroso”, “fantasioso” e fala em “processá-lo por falta de provas”.

NOVAS ALEGAÇÕES

Incrementando a pressão sobre o governo, a oposição tenta abertura de CPI na Câmara de Vereadores de SP para apurar indícios de mensalão na gestão de Martha Suplicy. Serra, em seguida, seguindo a linha central de "não colocar gasolina no fogo", passaria a desestimular tal ideia dos oposicionistas em SP.

Incremento da contra-alegação - O presidente Lula fala que “corrupção não é coisa nova no país”, enfatiza que está na linha de frente para combatê-la, mostra-se “indignado” e “preocupado” em apurar tudo, mas teme que o Congresso acabe ficando “paralisado” e deixe de votar aquilo que é importante para o país. No Congresso, Valdemar C. Neto chama Jefferson de “chantagista”.

DEPOIMENTO DE JEFFERSON NA CÂMARA

Em depoimento no Conselho de Ética da Câmara Jefferson parte ainda mais para o ataque, fornece ainda mais detalhes, falando em lavagem de dinheiro e caixa dois, e centra o fogo em José Dirceu, intimando-o a sair do governo para não prejudicar o presidente, a quem poupa de críticas. Dirceu vai para o centro do escândalo.

Continua...

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[1] ”Sem Mágica”, 12/06/05, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1206200501.htm
[2] ”Adeus às Ilusões”, 12/06/05, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1206200502.htm
[3] Programa de Rádio “Café com o Presidente”, Rádio Nacional, Brasília, 13/06/05, disponível em: http://www.info.planalto.gov.br/ -
[4] ”Denúncias a apurar”, 14/06/05, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1406200501.htm
[5] ”Denúncias de Jefferson”, 15/06/05, disponível: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1506200501.htm

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