quinta-feira, 30 de maio de 2013

O Escândalo do Mensalão VI - A investigação do "caixa 2" e o PT parte para a "purificação interna" (dias 29.06 a 19.07.2005)



O título de capa do dia 28/06 dá o tom do que virá a seguir nos rumos da CPI dos Correios: “PF e CPI focam investigação em Marcos Valério”. A partir daqui as investigações se aprofundam e ramificam. Mas, isso não significa que o escândalo iniciou uma fase de “esfriamento”. O governo, por exemplo, tenta criar na Câmara dos Deputados outra CPI, a CPI do Mensalão, com o objetivo de investigar não somente as acusações contra deputados da base aliada, mas investigar também a compra de votos para aprovação da emenda da reeleição em 1997. É uma clara reação do governo. Em contrapartida, os oposicionistas instalam a CPI dos Bingos no Senado.


Enquanto isso a negociação com o PMDB parece dar sinais de fracasso, o que leva o ministro Palocci a tentar estabelecer pontes com o PSDB, para evitar o que chamou de uma “pane política”, através da liberação de verbas para estados controlados pela oposição. Vejamos como o jornal, no dia 30, se posicionou com relação à crise[1].
Vai-se tornando mais difícil para o governo e a direção do PT sustentar que as denúncias do deputado Roberto Jefferson acerca do “mensalão” não passam de “mentiras inescrupulosas” visando a golpear a administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva… Não é por acaso que, enquanto o presidente Lula renova suas promessas de “limpar a casa”, as forças governistas tentam empurrar o lixo para debaixo do tapete, tentando evitar que o “mensalão” se transforme no principal tema a ser investigado.
Mesmo sem que seja seu tema principal, o editoral acaba por mostrar que, se no campo discursivo e simbólico o presidente mostra intenções de resolver a crise “limpando a casa” (até mesmo porque Dirceu acabou de sair do ministério), no campo especificamente político a luta seria para empurrar a crise para baixo do tapete.

É evidente que o jornal ainda está sob impacto das fortes palavras do presidente em seu comprometimento com a ética, e não percebe que qualquer medida de resistência política inclui sempre uma ação e uma palavra. Talvez por isso tenha feito essa separação entre a intenção do presidente e a ação dos governistas. Nesse mesmo dia, o presidente faria um pronunciamento onde revelaria seu estado de preocupação[2].
Eu quero, aqui, dizer uma coisa meu querido Procurador, desculpe a intimidade de quem o está vendo pela segunda vez, mas eu quero te dizer o seguinte: você pode trabalhar com a sua consciência tranqüila. Eu sempre acho que em tudo na vida tem que ter equilíbrio, eu sempre fico muito magoado quando, muitas vezes, as pessoas são execradas antes, para depois provarem que são inocentes e não têm nunca o mesmo espaço para provar a sua inocência.
A “mágoa” sentida pelo presidente nada mais é que um reflexo de situações tipicamente midiáticas, até mesmo porque fala em “espaço”. Não está falando de si, mas de Dirceu e de Delúbio, e é mais um exemplo de como a saída de Dirceu vai se tornando fundamental para o sucesso do “descolamento” da imagem do presidente em relação à crise política. Dois dias depois de várias investigações e novos fatos trazidos à tona, em editorial, o jornal comenta a mais recente manifestação de Delúbio Soares[3].
Enquanto a sociedade brasileira acompanha perplexa o avolumar-se de indícios acerca de um amplo esquema de movimentação irregular de dinheiro para pagamento de “mesadas” a parlamentares, o tesoureiro nacional do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, um dos principais suspeitos de operar o chamado “mensalão”, decidiu se manifestar. E fê-lo de maneira imprudente, para insistir na surrada tese, que já parecia abandonada por seus “companheiros” de legenda, segundo a qual “a direita vai querer fazer o impeachment do presidente” … o tesoureiro, que chegou às lágrimas, acusou alguns veículos de comunicação, entre os quais esta Folha, de publicar mentiras em favor dos interesses “dos setores conservadores que querem voltar ao poder”… Abandonado pelo próprio Planalto, que, segundo se noticia, pediu sua cabeça ao PT, o tesoureiro tenta invocar fantasmas com o intuito de responsabilizá-los por situações que ele próprio criou ou ajudou a criar.
É mais um episódio do embate simbólico em torno da tese do “golpismo das elites e da imprensa”. Tese que o jornal quer ver sepultada, mas que insiste em vir à tona nos diversos pronunciamentos governistas. Entretanto, no dia seguinte, 03/07, um novo pronunciamento do presidente, mas sem maiores novidades[4].
A democracia veio, no nosso país, para se consolidar. E vocês, que são visitantes, companheiros que estão preocupados com as notícias que têm saído no Brasil, tenham consciência de uma coisa: seria impensável que eu fosse governar este país quatro anos e não tivesse problemas. Seria impensável, ou seja, nós já conseguimos o máximo, ou seja, nós já conseguimos fazer com que o FMI fosse embora sem precisar dar nenhum grito… Na política, o que está acontecendo eu encaro como uma certa turbulência, mas que só existe efetivamente num processo que vai se consolidando fortemente, da democracia. Eu quero que vocês saibam e voltem para os seus países com a certeza de que eu entendo que a corrupção é uma das desgraças do nosso continente…
A fórmula é repetida. A corrupção é uma “desgraça” que persiste na história, mas que pode ser combatida. E o governo já estaria fazendo isso, teria capacidade para isso, só precisaria de mais tempo. Nesse momento, a insistência do presidente em repetir que a corrupção é uma “desgraça” e é “histórica” é fundamental para tirar qualquer denúncia de seu “colo” e colocá-la como “alvo a ser atacado”.

Trata-se de uma estratégia que pode ser chamada de “passivização”, onde os atores e a ação em si são apagados e surgem, em seus lugares, processos que parecem atemporais e a-espaciais, ou seja, somem os corruptos do presente e a corrupção reaparece como uma entidade etérea, pairando por sobre a história, e com potencial de contaminar a todos, indistintamente.

Voltemos a alguns fatos políticos. Como foi dito, José Dirceu não tem boa acolhida no Congresso. Não são poucos os que cogitam sua cassação. É nesse contexto que, temendo que a situação piore, o presidente Lula, seguindo os passos já iniciados por Palocci, tenta reabrir um canal de conversação com FHC e o PSDB.

E, segundo o jornal, numa conversa entre Márcio Thomaz Bastos e FHC teria ficado acordado que a economia deveria manter-se a salvo de um eventual contágio por parte da crise política (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0307200518.htm). Palocci e Bastos estariam tentando fazer com que Lula “acenasse” em direção a uma conversa formal com o PSDB em prol da economia do país, mas é evidente que, eleitoralmente, tal aceno poderia se revelar muito arriscado. E, realmente, tal aceno não ocorre.

Enquanto isso, Sílvio Pereira, secretário-geral do PT, antecipando-se a uma possível decisão da Executiva Nacional do partido, se afasta do cargo. Em sua capa o jornal noticia como: “Crise causa 1ª baixa na cúpula do PT”. A decisão de Sílvio Pereira contraria o plano de protelar maiores decisões no partido, decisão sempre defendida por José Genoíno, principal responsável pela defesa do partido na crise.

É um momento muito complicado para Genoíno que se imagina “abandonado” no partido. Sua permanência na presidência do partido já é questionada. Não há dúvida que, neste momento, no partido, o que passa pela cabeça da maioria é: “morremos todos afogados?”. No dia 04/07, dia seguinte, Genoíno, que dizia apostar suas fichas na entrevista do Programa Roda Viva, chora no ar negando qualquer envolvimento com as denúncias.

Ao final da dura entrevista ainda lembrou que o PT, quando era oposição, nunca fez oposição radical, raivosa e extremada. Genoíno está na berlinda. Não há como negar que a saída de Dirceu criou a necessidade de outros afastamentos, até mesmo para responder melhor à crise. No dia seguinte, 05/07, é Delúbio quem pede afastamento, dois dias depois de Sílvio Pereira.

Novas frentes de batalha se abrem. De um lado, o governo consegue a aprovação da CPI mista do Mensalão, e sugere ligações entre Marcos Valério e Fernando Henrique, ao mesmo tempo em que avança para um acordo com o PMDB envolvendo pastas ministeriais, de outro lado, Roberto Jefferson diz que o esquema de caixa dois comandado pelo PT teria conexões com a morte do prefeito Celso Daniel, de Santo André, e a oposição aprofunda os questionamentos sobre os investimentos de milhões de reais que a Telemar teria feito na empresa do filho do presidente.

Enquanto isso, e indo em busca da “paz”, Palocci e Thomaz Bastos seguem na direção do PSDB e do PFL com um novo tema na pauta: o fim da reeleição. Mas, mais uma vez Lula reage mal à ideia, e não era para menos, pois seria sua confissão de culpa.

No dia 09/07 mais um título de capa desastroso para o governo: “Petista é preso com R$ 437 mil em notas”. A Polícia Federal teria detido, no aeroporto de Congonhas, um assessor parlamentar de um deputado estadual do PT-CE, irmão de José Genoíno. Eram R$ 200 mil em uma valise e US$ 100 mil na cueca. Previsível que no dia seguinte, 10/07, o título fosse: “crise tira Genoíno da presidência do PT”. Tasso Genro ficaria em seu lugar.

Cada vez mais o Planalto avança seu controle sobre o partido e faz valer a estratégia de afastar aqueles que estão mais diretamente envolvidos e se transformaram em alvos prediletos da imprensa. A manchete do dia seguinte, 11/07, retrata bem esse clima: “PT vai investigar ações de ex-dirigentes”. O momento é o de abandono de qualquer negação da crise e, mais que isso, de fazer alguns “reparos éticos”. Tenta-se confinar a crise ao PT e ao próprio PT caberá investigá-la. Numa reunião com sindicalistas, onde foi fortemente apoiado, o presidente desabafa[5]:
nós temos que ser honestos, porque isso simboliza, na verdade, os exemplos e as experiências que podemos passar para os nossos filhos, para os nossos netos e para os nossos bisnetos. Entretanto, no meio do caminho, sempre alguém pode cometer desvios, alguém pode cometer erros, alguém pode cometer desacertos. E isso acontece na nossa própria família, isso acontece na vila em que a gente mora, na rua em que a gente mora, na cidade. Eu, um dia desses à noite, peguei o telefone, 10 horas da noite, para ligar para o Pelé, para prestar solidariedade a ele por conta do acontecimento com seu filho, porque, certamente, uma figura extraordinária, uma figura excepcional como o Pelé, que tem as atividades que tem pelo mundo inteiro, de repente vê a notícia de que o seu filho está envolvido nessa coisa de tráfico, e chorar o tanto que ele chorou na televisão, pra quem é pai, sabe o quanto isso pesa e o quanto é importante a gente estender a mão e dizer: companheiro, nessa eu estou solidário a você. Apesar de ele ter feito muitos gols contra o meu Corinthians mas, de qualquer forma, nós temos que ser solidários na dor de um companheiro… Mas eu gostaria que vocês voltassem para casa com a certeza, com a mesma fé que vocês têm em Deus, de que não haverá, da nossa parte, nenhuma precipitação, nem para inocentar e nem para condenar… Eu nunca, na minha vida, fui de falar bem ou falar mal da imprensa. Eu quero que a imprensa seja livre, quero que a imprensa possa dizer o que ela bem entender, da mesma forma que eu acho que todo mundo tem que viver o que bem entender. Isto é democracia. A única coisa que eu quero é que todos nós sejamos responsáveis porque, se depender do Presidente da República, nós não vamos jogar fora esta oportunidade extraordinária que o Brasil tem, ao conquistar a respeitabilidade internacional, ao conquistar a respeitabilidade interna, e a começar a provar que é possível as coisas irem acontecendo no nosso país.
Mas, em seguida, o jornal comenta o episódio envolvendo indiretamente Genoíno e aproveita para insistir na questão do fim do patrimônio ético do PT, indo diretamente de encontro ao discurso de Lula no dia anterior[6].
Dando razão à máxima pessimista de que tudo pode piorar, a detenção, na sexta-feira, do assessor parlamentar José Adalberto Vieira da Silva, com R$ 200 mil em uma valise e US$ 100 mil presos ao corpo, adicionou uma gota tragicômica à enxurrada de evidências de que o Partido dos Trabalhadores movimenta de maneira desassombrada recursos sem origem definida… A realidade é que o PT, tal como se apresentou ao país nos últimos anos, está liquidado. Já não existe aquele partido que, a despeito de divergências quanto às suas concepções ideológicas, conseguia sensibilizar o eleitor por parecer honesto. O máximo a que muitos em suas fileiras aspiram neste momento é demonstrar que o antigo campeão da moralidade não é o único a administrar recursos de caixa dois, alimentar o comércio parlamentar e se apropriar da máquina pública.
No dia 16/07, novo título de capa imperativo: “PT trabalha com caixa 2, diz Delúbio”. Diante de tantas acusações e, principalmente, com o vir à tona das malas de dinheiro, vai ficando muito claro que é praticamente impossível negar o uso de recursos não declarados para transações as mais diversas. 

E, nesse sentido, Marcos Valério e Delúbio, ambos, em depoimentos na Procuradoria Geral da República, admitiram que as empresas de Valério (DNA e SMPB) foram usadas como caixa 2 do PT. Valério divulgou uma nota, e também concedeu entrevista ao Jornal Nacional, afirmando que Delúbio era o responsável pelas operações, negou o mensalão e isentou Lula de qualquer conhecimento. No dia seguinte, Delúbio confirmou a versão de Valério e disse que todas as campanhas do PT operaram com caixa 2, menos a de Lula. O PT também se manifestou dizendo partir para a apuração imediata de todos os fatos.

A declaração do partido foi em rede nacional, de rádio e TV. Era mais uma tentativa de canalizar a crise. Ela já havia sido confinada ao PT, e agora, tratava-se de uma questão específica a ser apurada: o “caixa 2″. Nesse aspectos, todos concordaram e agiram simultaneamente. 

A declaração: (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1607200506.htm):
O Partido dos Trabalhadores vem dar satisfações à sociedade brasileira, aos seus eleitores e aos milhares de filiados de todo o Brasil. O PT é o resultado do sonho e da dedicação de muitos daqueles que desejam fazer do Brasil um país mais justo, mais democrático e mais ético. Por isso mesmo, a crise atual nos atinge seriamente. O PT só terá futuro se todos os fatos e denúncias que eventualmente envolvam o partido e alguns de seus militantes forem investigados até o fim, punindo-se os culpados com o maior rigor. E esse é o compromisso que assumimos publicamente. O Partido dos Trabalhadores vai tomar atitudes para garantir maior transparência para todos os seus atos e decisões. Assim como a maioria absoluta de seus filiados, o PT não teme a verdade. Ao contrário, só com a verdade iremos reencontrar o caminho original da ética, da justiça e da honestidade, que sempre foram a base de nossa história e do nosso sonho.
O PT assimila o golpe e inicia uma “agenda positiva”, como no exemplo de buscar soluções para o pagamento de suas dívidas. Surge uma espécie de varredura no partido, feita pelo próprio partido. As vozes governistas agora, vão no sentido de uma espécie de necessária “purificação” interna. A partir daí Delúbio e Valério passam a falar a mesma língua, a do uso de recursos não declarados para financiar despesas eleitorais. O fato é que a tese do caixa 2 vai ganhando espaço na luta simbólica e o título do jornal, no dia 17/07 é: “CPI suspeita de nova ‘Operação Uruguai”.

O próximo passo, nesse embate simbólico é se partir para declarações no sentido de que o uso de caixa 2 é “comum” nos processos eleitorais. Um exemplo está na declaração do então deputado federal José Eduardo Cardozo (PT-SP): “Essa afirmação [do ex-tesoureiro petista Delúbio Soares] só revela que em todo o sistema eleitoral e político brasileiro há uma grande hipocrisia. Ou seja, é sabido que o uso de caixa dois em campanhas eleitorais é uma situação usual, infelizmente” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1707200517.htm).

É uma declaração que pode ser o exemplo de uma nova fase que se inaugura na disputa simbólica. Passa-se não mais a discutir se as denúncias eram fantasiosas ou não, e assume-se que há um fato a ser investigado, circunscrito à questão do caixa 2. Nessa estratégia discursiva não há espaço para se discutir o suposto “mensalão”.

Nesse sentido, no mesmo dia em que Delúbio confirmou a declaração de Valério quanto ao uso de caixa 2 e que o PT divulgou sua “auto-crítica”, o presidente Lula, em Paris, concede uma entrevista que foi ao ar no Programa Fantástico, dia 17/07. Trata-se de um discurso emblemático e que marca definitivamente a nova fase da disputa[7]. Na apresentação da entrevista o programa da TV Globo faz ressalvas de que não teve interferência na escolha das perguntas e que comprou os direitos de exibição da entrevista.


Jornalista: Infelizmente, o Brasil atravessa uma nova crise política. Nós já atravessamos outras crises no passado, ligadas à corrupção. Eu queria saber o que você acha. Quando é que o Brasil vai se livrar definitivamente dessa doença, qual é a cura definitiva? Presidente: … tem um problema grave, porque toda vez que você combate a corrupção, ela aparece mais na imprensa e passa para a sociedade a impressão de que tem mais corrupção exatamente porque você está combatendo… as últimas pesquisas mostraram que o governo teve um crescimento na opinião pública. Isso significa que o povo brasileiro está sabendo distinguir bem o que é denúncia verdadeira, o que o governo está apurando e o que é peça de discurso de pessoas que querem fazer discurso… O Congresso Nacional tem uma CPI que vai funcionar até outubro, portanto, até outubro nós vamos ter ainda muita gente sendo ouvida, muita denúncia. Algumas serão verdadeiras, porque terão nomes, e aí você terá como investigar. Outras serão ilações que você, muitas vezes, não tem como investigar. Depois que a CPI terminar o trabalho dela, vai ter que mandar isso para o Ministério Público e o Ministério Público então vai decidir o que fazer com o resultado…

Jornalista: O senhor acredita que há males que vêm para o bem? Presidente: A minha tese é que nós precisamos aproveitar esse momento que está acontecendo no Brasil para sermos mais duros, para criarmos mais mecanismos de proteção do Estado brasileiro e vamos fazer. Goste quem gostar, doa a quem doer, nós vamos continuar sendo implacáveis na apuração da corrupção…

Jornalista: O senhor foi criador do Partido dos Trabalhadores. Impossível não associar a sua imagem à imagem do Partido. Hoje, ele comemora 25 anos e, infelizmente, está envolvido em todas essas denúncias de corrupção. Eu queria saber onde foi que o pai, Lula, errou? Presidente: … a minha tese é que o PT tem que explicar para sociedade brasileira que erros cometeu. Na medida em que o PT trocou a Direção, agora, tem uma nova Direção, e essa nova Direção está fazendo uma auditoria interna no PT, e o Tarso Genro tem esse compromisso, de explicar para a sociedade onde o PT errou, por que o PT errou, e como é que vai fazer para consertar aquilo que foi o erro cometido pelo PT. O que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente. Eu acho que as pessoas não pensaram direito no que estavam fazendo porque o PT tem, na ética, uma de suas marcas mais extraordinárias. E não é por causa de um erro de um dirigente ou de outro que você pode dizer que o PT está envolvido em corrupção. Eu acho que a nova direção do Partido saberá explicar para a sociedade o que aconteceu com o PT e o que vai acontecer daqui para a frente com o PT.

Jornalista: Mas Vossa Excelência estima que tem alguma culpa nessa crise do PT e do país? Presidente: Não. Já faz tempo que deixei de ser presidente do PT. Fui presidente durante três anos. Depois que eu virei presidente da República, eu não pude mais participar das direções do PT, não pude mais participar das reuniões do diretório do PT, e o PT tem muita autonomia com relação ao governo. E o governo tem mais autonomia ainda com relação ao PT. Eu acho que o PT teve um problema que é a questão da Direção…
O que sobressai dessa entrevista, claramente, é o seu roteiro perfeito. Perfeito no sentido das perguntas da jornalista serem absolutamente encadeadas de uma forma que permitiu ao presidente Lula expor sua posição de forma clara e organizada.

Aqui a “narrativização” enquanto estratégia de construção simbólica visando uma “legitimação” atinge seu ponto máximo. Ou seja, o presidente constrói uma versão completamente distinta do que vem sendo divulgado pela mídia. E, nessa sua versão, há uma “estória” a contar.

Por exemplo, a corrupção é naturalizada na história do Brasil; o governo em questão luta como nenhum outro contra esse mal; o presidente detalha como deve ser o procedimento das instituições: o Congresso apura e depois o Ministério Público decide o que fazer com o resultado; independente de tudo isso, o governo vai promover e mudanças necessárias para o aperfeiçoamento institucional; a culpa é do PT, mas não do partido, e sim da direção do partido; a direção do partido errou e tem que se explicar; errou em que? em fazer aquilo que sempre se fez no Brasil, mas como o PT é um partido ético ele tem que assumir o erro e explicar-se para a sociedade; o que o presidente tem a ver com tudo isto? Nada! A narrativização está completa, e o presidente inicia sua descolagem em relação ao PT.

Certamente o presidente não conseguiria uma entrevista assim em nenhum lugar do país. Poderia ter sido um discurso? Sim. Um pronunciamento em rádio ou TV? Sim. Mas a entrevista tem o dom de humanizar e de dar maior transparência ao entrevistado.

Nesse sentido, a entrevista funcionou como uma perfeita dupla de ataque funcionaria, ou seja, com três ou quatro toques, um passando a bola para o outro de primeira, até que a bola entre no gol. A escolha do presidente foi perfeita, tudo saiu correto, até a Globo decidiu comprar o material e exibi-lo nacionalmente, mas e seu impacto? No dia 19/07, em seu editorial, o jornal vem com uma pesada crítica ao governo[8].
As recentes declarações do publicitário Marcos Valério e do ex-tesoureiro petista Delúbio Soares, bem como a entrevista que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu em Paris, estão sendo recebidas por analistas e políticos de oposição como o que de fato são: peças de uma linha de defesa orquestrada com vistas a circunscrever o escândalo de corrupção envolvendo membros do governo e de seu partido a um crime eleitoral.
O que o jornal denuncia é que todas estas declarações fazem parte de algo muito bem “orquestrado” para transformar crimes de corrupção em “crimes eleitorais” e com culpados bem localizados: a direção do PT, com o auxílio de Marcos Valério. O que estamos vendo é uma estratégia governista muito incisiva no que diz respeito a impor uma discursividade. Fica muito claro o embate simbólico com o jornal.


Continua...

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[1] ”A cada dia mais grave”, 30/06, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3006200501.htm
[2] Discurso do Presidente da República na cerimônia de posse do Procurador Geral da república, Antônio Fernando Barros e Silva, 30/06/2005, disponível em: http://www.info.planalto.gov.br/
[3] ”Fantasias do tesoureiro”, 02/07/05, disponível: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0207200501.htm
[4] Discurso do Presidente da República no ato político de celebração aos 15 anos do Foro de São Paulo, 02/07/2005, disponível em: http://www.info.planalto.gov.br/
[5] Discurso do Presidente da República no encontro com sindicalistas, Palácio do Planalto, 11/07/05, disponível em: http://www.info.planalto.gov.br/
[6] ”Danos irreversíveis”, 12/07/05, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1207200501.htm
[7] Entrevista do Presidente da República à jornalista Melissa Monteiro (TV Francesa) em Paris, Paris-França, 15/07/05 e exibida no Programa Fantástico em 17/07/05, disponível em: http://www.info.planalto.gov.br/
[8]“Verdade e Mentiras”, 19/07/05, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1907200501.htm