quarta-feira, 26 de junho de 2013

Uma Pequena Nuvem (James Joyce, "Dublinenses")

Neste conto de Joyce, inserido em Dublinenses, Chandler é um típico funcionário e chefe de família que ganha sua vida em um também típico escritório em Dublin e hoje vive uma situação que lhe tira da rotina, pelo menos em seus pensamentos.

Vive a expectativa de reencontrar um amigo que chega de Londres e, com isso, aproveita para dar espaço à lembranças que nem sempre agradáveis. Nesse processo de recordação...
Várias vezes, abandonou sua tediosa tarefa para olhar da janela do escritório. O fulgor de um tardio crepúsculo de outono cobria a grama dos canteiros e as calçadas, envolvendo em suave poeira dourada as empregadinhas malvestidas e os velhos decrépitos que dormitavam nos bancos. Reluzia também sobre todas as formas móveis: crianças que corriam gritando pelas veredas de cascalho e pessoas que perambulavam pelos jardins. Contemplava a cena e pensava na vida. E como sempre acontecia quando pensava na vida, ficou triste. Uma suave melancolia apossou-se dele. Sentia o quanto era inútil lutar contra o destino.
Seu refúgio era pensar nos livros de poesia e em como ainda poderia vir a se tornar um escritor reconhecido. Ao mesmo tempo, não parava de pensar no amigo Gallaher que ocupava o posto de jornalista em Londres e estava chegando. Ele parecia que estava predestinado a vencer na vida. 

Em seus devaneios Chandler imaginava-se distante da vida medíocre que levava. Saiu e logo encontrou o amigo de Londres em um bar, e à medida que a conversa entre os dois avançava, Chandler experimentava sentimentos contraditórios: ora de entusiasmo pelo amigo, ora de desilusão e inveja.
Sentia agudamente o contraste entre suas vidas, que lhe parecia injusto. Gallaher era inferior em nascimento e educação. Se tivesse uma oportunidade, estava certo de que poderia fazer algo muito melhor do que tudo o que o amigo fizera ou viria a fazer... e o que é que o impedia? Sua desafortunada timidez!
Momentos depois, de volta à sua casa, Chandler, sem tirar os olhos da fotografia da esposa pensou na vida de Gallaher e pensou também em uma vida diferente da sua atual. Distanciando-se de tudo que estava ao seu redor.
O pensamento assustou-o e ele correu o olhar nervoso pela sala. A mobilia bonita, comprada a crédito, pareceu-lhe também um tanto vulgar. Fora escolhida por Annie e o fez lembrar-se dela novamente. Era enfeitada demais aquela mobília, bonitinha demais. Um sombrio ressentimento contra sua própria vida cresceu dentro dele. Não escaparia nunca daquela casa? Seria demasiado tarde para tentar a vida audaciosa de Gallaher? Poderia ir para Londres? A mobília ainda não estava paga. Se conseguisse escrever um livro e publicá-lo, talvez isso lhe abrisse o caminho.
Logo o choro da criança, seu filho, o traz à realidade. Não conseguia fazê-la parar de chorar. Tremia de raiva. Apertava a criança contra sí e chegou a pensar...
Se ela morresse...
Neste instante Annie, sua esposa, chegou. Ele se assustou, talvez muito mais com seus próprios pensamentos.
Com o rosto queimando de vergonha, Little Chandler afastou-se da luz do abajur. Ouvia o pranto da criança abrandar-se pouco a pouco e lágrimas de remorso inundaram-lhe os olhos.
Pobre Chandler! A submissão à crença no destino e ao ressentimento, o fato de estar sempre à espera de uma oportunidade e a incapacidade de ter a audácia de reconhecer-se a si próprio o aprisionavam em seus pensamentos medíocres e mortíferos, tornando a melancolia a "nota predominante em seu temperamento".

Um belo conto de Joyce. Destaquei apenas alguns trechos, mas, é evidente, que merece ser lido na íntegra.